Categorias: Fundamentos, Gestão em Cuidados Paliativos, Autores: Fernanda Tourinho, médica clínica e paliativista, Juliana Martins, médica clínica e paliativista Publicado em: 26/02/2025
Contexto
Os Cuidados Paliativos devem estar disponíveis desde o diagnóstico de qualquer doença ameaçadora à vida e acompanhar o paciente ao longo de toda a trajetória da doença. Após respondermos às perguntas "Para quem?" e "Quando?", discutidas nas PP#002 e PP#003, respectivamente, é essencial abordar o "Onde?": qual o melhor local para ofertar os Cuidados Paliativos e como essa escolha deve ser ajustada conforme a evolução da doença e as necessidades do paciente.
Nesta PP, exploramos os diversos cenários onde os Cuidados Paliativos podem ser ofertados, os critérios para escolha do local mais apropriado e como garantir que o paciente receba assistência qualificada e alinhada aos seus valores e necessidades em cada momento da jornada.
O continuum do cuidado e as complexidades dos serviços
O cuidado deve ser ofertado onde o paciente está, pois, ao longo da evolução da doença, ele pode necessitar de diferentes níveis de suporte.
Na assistência em saúde, há a classificação tradicional em atenção primária, secundária e terciária. De maneira semelhante, os serviços de Cuidados Paliativos podem ser categorizados conforme seu nível de complexidade:
Cuidados Paliativos primários: ofertados na Atenção Primária à Saúde (APS), geralmente por não especialistas, para manejo dos sofrimentos físico, psicossocial e espiritual, incluindo planejamento antecipado de cuidados (PAC) e cuidados de fim de vida. No contexto médico, são frequentemente conduzidos por generalistas ou médicos de família.
Cuidados Paliativos secundários: fornecidos em serviços especializados como ambulatórios, pronto-atendimentos e hospitais-dia, podendo ser ofertados por não especialistas ou paliativistas atuando nesses locais.
Cuidados Paliativos terciários: envolvem assistência avançada em hospitais de alta complexidade e hospices, com atuação de uma equipe interdisciplinar de paliativistas.
A literatura apresenta variações nessa classificação. Algumas abordagens associam primário, secundário e terciário ao nível de complexidade do local de atendimento, enquanto outras utilizam esses termos para diferenciar o profissional que oferta o cuidado (generalista ou paliativista).
Na Escola de Habilidades Paliativas, adotamos a nomenclatura Cuidados Paliativos primários, secundários e terciários para se referir ao nível de complexidade do serviço, enquanto os termos Cuidados Paliativos básicos e avançados são utilizados para diferenciar os Cuidados Paliativos ofertados por generalistas e paliativistas, respectivamente.

Como escolher o local de atendimento?
A escolha do local de atendimento em Cuidados Paliativos deve ser individualizada e baseada em múltiplos fatores, equilibrando as necessidades clínicas, preferências do paciente e da família e disponibilidade de recursos. Essa decisão deve considerar tanto a fase da doença quanto a capacidade da rede de cuidados em oferecer o suporte necessário, garantindo que o paciente receba assistência qualificada no local mais apropriado para sua condição e objetivos de cuidado.
Fatores que influenciam a escolha do local de atendimento incluem:
Funcionalidade do paciente: Pessoas com maior dependência funcional podem se beneficiar do atendimento domiciliar, evitando deslocamentos desnecessários e garantindo conforto no ambiente familiar. Já aqueles com maior independência podem preferir consultas em ambulatórios ou hospitais-dia.
Trajetória da doença: Algumas doenças apresentam crises previsíveis ou fases de maior instabilidade, exigindo suporte intensivo para controle de sintomas. Em estágios avançados, internações (hospitalares ou em home care) ou unidades especializadas como hospices podem ser necessárias.
Preferências do paciente: As vontades e valores do paciente devem ser investigados e respeitados, considerando as vantagens e desafios de cada cenário, especialmente na fase final da vida. O planejamento antecipado de cuidados (PAC) pode facilitar essa tomada de decisão.
Disponibilidade de recursos: O acesso a serviços de Cuidados Paliativos pode variar conforme a rede pública e privada, a presença de equipes domiciliares, a existência de unidades especializadas (como hospices) e o suporte disponível para cuidadores. A viabilidade financeira e logística também deve ser levada em conta.
A escolha do local de atendimento deve ser flexível e passível de ajustes conforme a evolução clínica do paciente, garantindo que ele receba o suporte necessário no momento certo, no lugar certo.
Principais tipos de serviços de Cuidados Paliativos
Como visto anteriormente, a escolha do local de atendimento deve ser dinâmica e acompanhada pela equipe de saúde, pois o paciente transitará entre diferentes serviços ao longo da trajetória da doença. Essas transições devem ser feitas dentro de um modelo de coordenação do cuidado, garantindo continuidade assistencial e evitando lacunas no suporte ao paciente e sua família.
A seguir, destacam-se os principais serviços onde os Cuidados Paliativos podem ser oferecidos:
Ambulatórios e hospitais-dia: Serviços voltados para pacientes que ainda possuem boa funcionalidade e podem se deslocar até a unidade. São indicados para acompanhamento precoce da abordagem paliativa e controle de sintomas fora do ambiente hospitalar. O atendimento é programado, e a frequência das consultas varia conforme a necessidade de cada caso. Podem ser realizados pequenos procedimentos.
Hospitais: Atendem pacientes que necessitam de suporte mais intensivo, seja para controle de sintomas complexos ou devido a complicações da doença. Os Cuidados Paliativos podem ser oferecidos em enfermarias especializadas ou por equipes itinerantes (interconsultas) que atuam em diferentes setores hospitalares. Segundo o Center to Advance Palliative Care (CAPC), todo hospital com mais de 50 leitos deveria contar com uma equipe de Cuidados Paliativos, mas no Brasil apenas 5% desses hospitais oferecem esse suporte, embora seja o principal local de oferta da abordagem paliativa em nosso país, hoje.
Atenção domiciliar: Permite que o paciente receba assistência em casa, promovendo maior conforto e proximidade com seus familiares. O atendimento pode ser prestado por equipes de atenção domiciliar da rede pública (Melhor em Casa no Brasil), serviços privados ou iniciativas comunitárias. A complexidade do suporte varia desde visitas periódicas até assistência intensiva para pacientes em fim de vida ou sintomas complexos, o que pode incluir a internação domiciliar.
Hospices: São unidades especializadas em Cuidados Paliativos avançados, voltadas principalmente para pacientes em terminalidade da vida ou com sintomas complexos de difícil manejo em casa. Além do controle de sintomas, proporcionam um ambiente de acolhimento e suporte ampliado à família. No Brasil, a assistência em modelo hospice tem sido realizada com frequência em unidades de transição.
A escolha do local ideal deve ser revisitada conforme a progressão da doença, garantindo que o paciente tenha acesso ao nível de cuidado adequado a cada momento, no melhor local para o cuidado, dentro de uma lógica de fluxo assistencial coordenado. O mais importante é que o paciente e sua família recebam suporte contínuo, independentemente do cenário.
Modo de usar:
Descubra como aplicar esta pílula paliativa de forma prática em seu dia a dia.
Mapeie os serviços disponíveis na sua região, identificando ambulatórios, hospitais, equipes domiciliares e possíveis hospices próximos ao paciente. Conheça os critérios de elegibilidade e os fluxos de acesso para facilitar encaminhamentos oportunos;
Personalize o cuidado conforme a trajetória da doença, avaliando regularmente a funcionalidade, os sintomas e as preferências do paciente para ajustar o local de atendimento conforme suas necessidades;
Promova a coordenação do cuidado, garantindo que a transição entre os diferentes níveis de assistência ocorra de forma estruturada, sem descontinuidade no suporte ao paciente e sua família.
Glossário Paliativo 🗺
O glossário paliativo traz os principais termos que você precisa conhecer em cuidados paliativos. A cada edição da Pílula Paliativa você encontrará neste espaço os termos citados.
Center to Advance of Palliative Care (CAPC): Organização americana dedicada a ampliar o acesso a cuidados de saúde de qualidade para pessoas com doenças graves, por meio de treinamentos, fornecimento de ferramentas e assistência técnica a profissionais e instituições. A entidade integra a Escola de Medicina do Hospital Mount Sinai, em Nova York. Cuidados de fim de vida: Cuidados ofertados a pacientes em terminalidade com o propósito de assegurar qualidade de vida até os últimos dias e proporcionar uma morte digna e sem sofrimento. Fazem parte dos Cuidados Paliativos e, por isso, possuem os mesmos princípios, porém não são sinônimos. Cuidados Paliativos avançados: Cuidados Paliativos ofertados por uma equipe multidisciplinar especializada em Cuidados Paliativos, independente do local de atendimento, com objetivo de ofertar assistência direta a pacientes e familiares com demandas complexas relacionadas ao seu adoecimento e/ou prestar apoio às equipes que ofertam Cuidados Paliativos básicos. Cuidados Paliativos básicos: Conhecimentos e práticas mínimas de Cuidados Paliativos que devem ser do domínio de todos os profissionais de saúde (não especialistas em Cuidados Paliativos) e devem ser oferecidos pela equipe assistente desde o diagnóstico de uma doença que ameaça a continuidade da vida. Cuidados Paliativos primários: Cuidados Paliativos ofertados na Atenção Primária à Saúde (APS), geralmente por não-especialistas, para manejo dos sofrimentos físico, psicossocial e espiritual. No contexto médico, geralmente ofertado pelo generalista ou médico de saúde da família. Na literatura, algumas definições trazem como a abordagem de Cuidados Paliativos ofertada pelo especialista na doença do paciente - ou seja, oncologistas no caso de câncer, nefrologistas no caso de doença renal crônica, cardiologistas no caso de insuficiência cardíaca congestiva… - mesmo em unidade de maior complexidade. Na Escola de Habilidades Paliativas, atribui-se Cuidados Paliativos primário, secundário e terciário de acordo com o local de atendimento e Cuidados Paliativos básicos e avançados de acordo com o profissional que oferta a abordagem. Cuidados Paliativos secundários: Cuidados Paliativos ofertados pelos especialistas na doença de base do paciente - por exemplo, oncologista para pacientes com câncer - ou por paliativistas em unidades de complexidade intermediária, como ambulatórios, pronto-atendimento ou hospital-dia. Na Escola de Habilidades Paliativas, atribui-se Cuidados Paliativo primário, secundário e terciário de acordo com o local de atendimento e Cuidados Paliativos básicos e avançados de acordo com o profissional que oferta a abordagem. Cuidados Paliativos terciários: Cuidados Paliativos ofertados por uma equipe multidisciplinar especializada em Cuidados Paliativos em unidades de alta complexidade, assim como prestando apoio às equipes que ofertam Cuidados Paliativos primários e secundários. Na Escola de Habilidades Paliativas, atribui-se Cuidados Paliativo* primário, secundário e terciário de acordo com o local de atendimento e Cuidados Paliativos básicos e avançados de acordo com o profissional que oferta a abordagem. Doença ameaçadora à vida: Condição de saúde de qualquer etiologia, ativa, grave, progressiva e que causa sofrimento multidimensional ao paciente, seus familiares e cuidadores. Escola da Habilidades Paliativas: Ecossistema educacional dedicado à formação de profissionais de saúde, com foco no desenvolvimento das competências essenciais para aliviar o sofrimento de pacientes com doenças avançadas, fundada por Dra. Fernanda Tourinho em 2024, cuja missão é aliviar o sofrimento humano através da educação. Paliativista: Profissional de saúde especialista em Cuidados Paliativos. No Brasil, o reconhecimento da especialização em Cuidados Paliativos se dá através da prova de título - promovida pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), em parceria com a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), anualmente para médicos(as) e enfermeiros(as) - ou da residência médica ou multiprofissional - que pode ser feita por profissionais da Enfermagem, Farmácia, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Nutrição, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional. Planejamento antecipado de cuidados (PAC): Processo no qual uma pessoa com capacidade decisória preservada, com auxílio da equipe de saúde, expressa e registra seus valores, objetivos e preferências em relação a seus cuidados de saúde, com foco no fim da vida. Tem como objetivo garantir cuidados compatíveis com a biografia da pessoa, devendo ter como produtos finais: 1) A construção de um testamento vital e 2) A escolha de um procurador para cuidados de saúde. Em inglês, diz-se “Advanced care planing”, de forma que também pode ser traduzido como planejamento avançado de cuidado.
Dica da especialista 🤌🏻
Você já tem o e-pali ou costuma ler A incrível newsletter paliativa? Então já sabe que essa é uma seção especial: aqui compartilhamos insights a partir da nossa visão e experiência profissional.
💡O local de atendimento não é uma sentença, mas um ponto na jornada do cuidado. A decisão deve ser dinâmica e ajustável, acompanhando as necessidades do paciente ao longo do tempo. O essencial é garantir a continuidade do cuidado, assegurando que todas as equipes envolvidas tenham acesso ao plano terapêutico e ao planejamento antecipado de cuidados (PAC). Invista na comunicação clara entre os profissionais, documente condutas de forma acessível e promova a transição segura entre os serviços, evitando lacunas que possam comprometer o bem-estar do paciente e sua família.
Referências bibliográficas
Tourinho F. E-pali: conceitos e fundamentos. [S.l.: s.n.], 2023
Cherny NI, Fallon MT, Kaasa S, Portenoy RK, Currow DC, editors. Oxford Textbook of Palliative Medicine. 6th ed. Oxford: Oxford University Press; 2021. 1–1409.
Manual de Cuidados Paliativos PROADI HSL, 2ª edição. Hospital Sírio-Libanês, 2023.