Categorias: Fundamentos, Avaliação prognóstica Autores: Fernanda Tourinho, médica clínica e paliativista, Juliana Martins, médica clínica e paliativista Publicado em: 22/01/2025
Contexto
Cuidados Paliativos devem ser oferecidos a todos os pacientes com doenças ameaçadoras à vida. No entanto, ainda existe uma forte associação dessa abordagem exclusivamente aos cuidados de fim de vida. Identificar o momento ideal para iniciar essa oferta é essencial, permitindo que o paciente e sua família se beneficiem do impacto positivo da abordagem paliativa pelo máximo de tempo possível.
Afinal, quando começar?
Caso esta #PP fosse resumida em uma frase, seria: a abordagem paliativa deve ser iniciada no momento do diagnóstico de uma doença ameaçadora à vida. A abordagem precoce maximiza os benefícios para os pacientes, pois possibilita a construção de vínculo e a coleta de valores biográficos essenciais para a tomada de decisões complexas que surgirão ao longo da trajetória do adoecimento. Além disso, o controle de sintomas e o suporte psicoemocional favorecem uma melhor qualidade de vida durante a terapia modificadora de doença, não apenas quando esta não pode mais ser oferecida.
Para isso, é fundamental compreender que Cuidados Paliativos não se restringem a cuidados de fim de vida. Enquanto os Cuidados Paliativos abrangem a abordagem de todos os pacientes com doença ameaçadora à vida, independentemente de seu prognóstico ou fase da doença, os cuidados de fim de vida são voltados para pacientes em terminalidade, com foco na qualidade de vida e em garantir uma morte digna.
Embora a abordagem paliativa deva ser iniciada no diagnóstico, sua intensidade varia ao longo da trajetória da doença. Fases de maior carga sintomática ou sofrimento, como o próprio diagnóstico, exacerbações da doença ou os últimos meses de vida, demandam maior participação dos Cuidados Paliativos, enquanto fases de estabilidade apresentam menor necessidade dessa abordagem.

Quem deve iniciar a abordagem paliativa?
Dado que inúmeras condições possuem indicação para abordagem paliativa (conheça as indicações na PP #002) e que ela deve ser iniciada precocemente, o número de pacientes que necessitam desse cuidado é muito elevado. Caso fosse ofertada exclusivamente por paliativistas, muitos pacientes não teriam a oportunidade de acesso.
A abordagem inicial, conhecida como Cuidados Paliativos básicos, deve ser conduzida pela equipe assistente (não-especialista em Cuidados Paliativos) desde o diagnóstico da doença ameaçadora à vida, paralelamente à terapia modificadora da doença. É essencial que a equipe assistente realize uma avaliação criteriosa do paciente e de sua condição, identificando precocemente as necessidades paliativas. Esta equipe deve possuir treinamento em Cuidados Paliativos básicos e atuar em referência e contrarreferência com uma equipe especialista em Cuidados Paliativos. É uma relação generalista X especialista.
Nos casos de sintomas complexos ou estágios mais avançados da doença, o encaminhamento para uma equipe especializada em Cuidados Paliativos pode ser necessário. Na ausência de treinamento da equipe assistente em Cuidados Paliativos básicos, esse encaminhamento poderá ser feito de forma mais precoce, garantindo que o paciente receba o suporte necessário no momento oportuno.
Evidências
Globalmente, apenas 14% das necessidades paliativas são atendidas, sendo o acesso ainda mais restrito em países em desenvolvimento. No Brasil, a situação não é diferente, e a maior barreira para a implementação precoce da abordagem paliativa é a falta de treinamento dos profissionais de saúde em Cuidados Paliativos básicos, tanto para a oferta dos cuidados como para a identificação precoce das necessidades paliativas.
Há relatos na literatura que destacam a excelência dos Cuidados Paliativos básicos fornecidos por equipes não especializadas, demonstrando que essa abordagem pode reduzir significativamente a necessidade de encaminhamentos para equipes especializadas e ampliar o acesso a todos os pacientes que necessitam dessa assistência. O artigo de opinião “Oncologists may be too quick to refer patients to palliative care” exemplifica essa situação. Nele, a autora, médica paliativista, recusa o encaminhamento feito por um colega oncologista, não porque a indicação de Cuidados Paliativos fosse inadequada ou precoce demais, mas porque o paciente já tinha suas necessidades paliativas devidamente identificadas e conduzidas pela equipe assistente. Esse relato ressalta como a capacitação do não especialista em Cuidados Paliativos básicos faz toda a diferença na prática clínica.
Modo de usar:
Descubra como aplicar esta pílula paliativa de forma prática em seu dia a dia.
Inicie a abordagem de Cuidados Paliativos ao diagnóstico, e não apenas na ausência de terapia modificadora de doença ou na terminalidade;
Capacite-se em Cuidados Paliativos básicos caso não seja especialista, para ofertar a abordagem paliativa o mais precocemente possível;
Favoreça a capacitação do não-especialista, caso você seja paliativista.
Glossário Paliativo 🗺
O glossário paliativo traz os principais termos que você precisa conhecer em cuidados paliativos. A cada edição da Pílula Paliativa você encontrará neste espaço os termos citados.
Cuidados de fim de vida: Cuidados ofertados a pacientes em terminalidade com o propósito de assegurar qualidade de vida até os últimos dias e proporcionar uma morte digna e sem sofrimento. Fazem parte dos Cuidados Paliativos e, por isso, possuem os mesmos princípios, porém não são sinônimos. Cuidados Paliativos básicos: Conhecimentos e práticas mínimas de Cuidados Paliativos que devem ser do domínio de todos os profissionais de saúde (não especialistas em Cuidados Paliativos) e devem ser oferecidos pela equipe assistente desde o diagnóstico de uma doença que ameaça a continuidade da vida. Doença ameaçadora à vida: Condição de saúde de qualquer etiologia, ativa, grave, progressiva e que causa sofrimento multidimensional ao paciente, seus familiares e cuidadores. Paliativista: Profissional de saúde especialista em Cuidados Paliativos. No Brasil, o reconhecimento da especialização em Cuidados Paliativos se dá através da prova de título - promovida pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), em parceria com a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), anualmente para médicos(as) e enfermeiros(as) - ou da residência médica ou multiprofissional - que pode ser feita por profissionais da Enfermagem, Farmácia, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Nutrição, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional. Prognóstico: Previsão do curso ou do resultado provável de uma doença, condição ou tratamento, que estima a trajetória futura da saúde de um indivíduo, com espectro amplo, não limitado à estimativa de sobrevida. Terapia modificadora de doença: Todo tratamento que modifica o curso de uma doença, com objetivo de aumento de sobrevida e, idealmente, melhora na qualidade de vida. Não é sinônimo de terapia curativa. Terminalidade: Termo que define o último período da vida e fase mais avançada de uma doença, em que a saúde não pode ser recuperada. É marcado especialmente pelo declínio funcional do paciente e pela incurabilidade da doença. Na literatura, está associado aos 6 últimos meses de vida, embora cada vez mais seja entendido não como um marcador de tempo, mas de estado de saúde. A maior parte da literatura considera terminalidade como sinônimo de fim de vida, embora algumas correntes façam distinção entre esses dois termos. Na Escola de Habilidades Paliativas, esses termos são utilizados como sinônimos.
Dica da especialista 🤌🏻
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💡Quanto mais cedo, melhor. A construção do vínculo de confiança necessário ao longo da trajetória de adoecimento é progressiva, e a coleta dos valores, biografia e preferências do paciente deve começar desde o primeiro dia. A importância da abordagem paliativa desde o diagnóstico vai além do controle de sintomas, permitindo decisões alinhadas aos objetivos de vida e prioridades do paciente!
Referências bibliográficas
Tourinho F. E-pali: conceitos e fundamentos. [S.l.: s.n.], 2023
D’Ambruoso, S F. Oncologists may be too quick to refer patients to palliative care. Disponível em: https://medauth2.mdedge.com/content/oncologists-may-be-too-quick-refer-patients-palliative-care
World Health Organization. Palliative care. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/palliative-care