Categorias: Fundamentos Autores: Fernanda Tourinho, médica clínica e paliativista, Juliana Martins, médica clínica e paliativista Publicado em: 05/02/2025
Contexto
Princípios são um conjunto de preceitos, regras ou padrões de conduta que orientam o pensamento e os hábitos de uma sociedade, servindo de base para normas e leis. Nesta #PP, exploramos os princípios que norteiam a prática dos Cuidados Paliativos para profissionais de saúde, gestores e todos aqueles que desejam incorporar essa abordagem na assistência, promovendo um cuidado mais humano, ético e eficaz.
Os Nove Princípios dos Cuidados Paliativos pela OMS
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os Cuidados Paliativos devem direcionados por nove princípios, sendo eles:
Proporcionam alívio da dor e de outros sintomas estressores: Esta atenção se dá através da prevenção, identificação precoce, avaliação abrangente e gerenciamento de cada um dos sintomas, além do entendimento da necessidade da integração das esferas emocional, espiritual e social do paciente e da família.
Afirmam a vida e consideram a morte como um processo natural: A morte não é um inimigo a ser vencido. Desta forma, o objetivo central é possibilitar uma vida com qualidade até o último instante, considerando a morte como algo natural e comum a todos os seres humanos.
Não pretendem prolongar e nem antecipar a morte: Diante da irreversibilidade da doença, o objetivo deve ser oferecer qualidade de vida até o último dia, sem antecipar a morte (morte medicamente assistida) ou prolongá-la artificialmente (distanásia), o que causa sofrimento. O objetivo dos cuidados paliativos é a ortotanásia, a morte no tempo certo.
Integram os aspectos psicológicos e espirituais do cuidado ao paciente: O ser humano é único e multidimensional e, portanto, seu sofrimento como multifatorial. Para o seu alívio, o cuidado deve focar também nas demais dimensões do sofrimento humano, não apenas na física.
Ofertam um sistema de apoio para ajudar os pacientes a viverem o mais ativamente possível até a morte: Os Cuidados Paliativos objetivam manter o paciente como protagonista da própria vida, vivendo a seu modo até o último dia.
Oferecem um sistema de suporte para ajudar a família a lidar com a doença do paciente e o seu próprio luto: Reconhecimento do papel essencial da família no cuidado e oferecimento de suporte psicológico e prático durante a doença e o luto.
Usam uma abordagem de equipe para atender às necessidades dos pacientes e de suas famílias, incluindo aconselhamento ao luto, se indicado: Promoção de uma abordagem interdisciplinar, com estreita colaboração entre médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e demais profissionais, com foco no paciente e também em sua família, em todas as fases da doença, incluindo o luto após a morte do paciente.
Melhoram a qualidade de vida e podem influenciar positivamente o curso da doença: O cuidado centrado na pessoa proposto pelos Cuidados Paliativos tem como objetivo central a promoção da qualidade de vida, de acordo com os valores do paciente. Ainda, podem ter influência positiva sobre o curso da doença, inclusive aumentando sua sobrevida.
São aplicáveis no início do curso da doença, em conjunto com terapias destinadas a prolongar a vida (como quimioterapia e radioterapia) e incluem as investigações necessárias para entender e melhor gerenciar as complicações clínicas angustiantes: A abordagem paliativa deve ser iniciada ao diagnóstico e coexistir com tratamentos curativos ou modificadores de doença, não sendo limitada ao final da vida.
Os princípios da OMS foram inicialmente postulados em 2002 e guardam estreito alinhamento com a própria definição de Cuidados Paliativos da OMS (confira na #PP001). Assim como a definição, não são imutáveis e podem sofrer adaptações para se ajustarem à realidade e moral de uma determinada época. Eles funcionam como mais uma ferramenta essencial para uma prática tecnicamente adequada e centrada no paciente.
Princípios da IAHPC
Outras instituições também formularam suas próprias percepções e adaptações dos princípios dos Cuidados Paliativos. A International Association for Hospice and Palliative Care (IAHPC), por exemplo, organiza seus princípios em quatro grandes áreas: Atitudes para o cuidado, Comunicação, Cuidado e Planejamento Antecipado de Cuidados, cada uma delas detalhada a seguir.
Atitudes para o cuidado
Atitude sensível e compassiva, com preocupação genuína pelo indivíduo em todos os seus aspectos em uma abordagem sem julgamento;
Comprometimento individual e da equipe com o cuidado do paciente;
Compreensão do paciente como um todo, indo além da doença, com respeito às crenças, cultura, desejos e biografia do paciente;
Envolvimento do paciente em qualquer decisão de início ou retirada de tratamento, assim como da escolha do local de tratamento.
Comunicação
Comunicação clara, eficiente e empática entre profissionais, pacientes e familiares, promovendo alinhamento de expectativas e construção de confiança.
Cuidado
Adequado ao contexto clínico, estágio da doença, prognóstico e valores do paciente, além de consistente e revisado de acordo com a evolução do quadro clínico;
Multiprofissional e coordenado;
Baseado nas melhores evidências e técnicas disponíveis;
Contínuo do momento do diagnóstico até o falecimento do paciente e acompanhamento do processo de luto dos familiares, independentemente do local no qual este cuidado deverá ser oferecido;
Antecipação de crises associadas a sintomas físicos ou psicossociais que podem ocorrer com a progressão da doença;
Fornecimento de apoio ao cuidador.
Planejamento antecipado de cuidados:
Incentivo a discussões sobre prognóstico, preferências de cuidado e metas terapêuticas;
Proteção do direito dos pacientes e suas famílias à informação e participação ativa nas decisões.
Respeito às crenças, cultura, desejos e biografia do paciente, promovendo a construção de planejamento antecipado de cuidados de forma personalizada, com determinação de objetivos do cuidado alinhados com os valores pessoais.
Os princípios dos Cuidados Paliativos fundamentam um cuidado centrado no paciente, assegurando que suas preocupações, valores e desejos — assim como os de sua família — sejam considerados e honrados. Essa abordagem respeita as escolhas individuais e oferece suporte ativo na tomada de decisões, promovendo autonomia e dignidade ao longo da trajetória da doença.
Modo de usar:
Descubra como aplicar esta pílula paliativa de forma prática em seu dia a dia.
Incorpore os princípios na sua prática clínica: Use-os como referência para orientar suas condutas, garantindo que as decisões estejam alinhadas com o respeito à autonomia, qualidade de vida e dignidade do paciente.
Transforme os princípios em ferramentas de ensino: Compartilhe e discuta os princípios dos Cuidados Paliativos em treinamentos, reuniões de equipe e supervisões clínicas, ampliando a compreensão e a aplicação dessa abordagem.
Utilize os princípios para estruturar serviços e protocolos: Ao organizar fluxos de atendimento, direcione-os para que contemplem uma abordagem interdisciplinar, o planejamento antecipado de cuidados e o suporte contínuo ao paciente e seus familiares.
Glossário Paliativo 🗺
O glossário paliativo traz os principais termos que você precisa conhecer em cuidados paliativos. A cada edição da Pílula Paliativa você encontrará neste espaço os termos citados.
Abordagem interdisciplinar: Trabalho colaborativo entre profissionais de diferentes áreas para atender às múltiplas necessidades do paciente e da família. Há o compartilhamento de informações e experiências que permite a tomada de decisões conjuntas e a construção de um plano de cuidados colaborativo. Se diferencia do atendimento multidisciplinar por prever a estreita interação entre os membros da equipe, mesmo que não no momento do atendimento. Distanásia: Prolongamento artificial do processo de morte através do uso de medidas de suporte orgânico artificial em pacientes que não têm benefício destas medidas - ou seja, sem possibilidade de melhora do quadro de base -, possivelmente resultando em sofrimento intenso. Considerada infração do Código de Ética Médica no Brasil. Morte medicamente assistida: Auxílio que uma pessoa pode receber de um profissional médico para antecipar a sua morte, que pode ser realizado por meio de eutanásia ou suicídio assistido. Objetivo do cuidado: Objetivo a ser alcançado com o tratamento, definido com base nos valores e preferências do paciente por meio de um processo de tomada de decisão compartilhada. Exemplos de objetivos do cuidado incluem: "cura da doença", "prolongamento da vida a qualquer custo", "manutenção ou melhoria da funcionalidade", "prolongamento da vida sem medidas que causem sofrimento", "promoção da qualidade de vida" e "uma boa morte". Organização Mundial de Saúde (OMS): Parte das Nações Unidades e também sediada em Genebra, na Suíça, é uma organização dedicada à saúde e segurança mundial fundada em 1948. Sua função central é direcionar e coordenar o trabalho internacional de saúde por meio da colaboração entre os 194 Estados-membros, estes organizados em 6 regiões de saúde (África, Américas/Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), Mediterrâneo Oriental, Europa, Ásia Sudoriental e Pacífico Ocidental). Em inglês, diz-se “World Health Organization (WHO)”. Planejamento antecipado de cuidados: Processo no qual uma pessoa com capacidade decisória preservada, com auxílio da equipe de saúde, expressa e registra seus valores, objetivos e preferências em relação a seus cuidados de saúde, com foco no fim da vida. Tem como objetivo garantir cuidados compatíveis com a biografia da pessoa, devendo ter como produtos finais: 1) A construção de um testamento vital e 2) A escolha de um procurador para cuidados de saúde. Em inglês, diz-se “Advanced care planing”, de forma que também pode ser traduzido como planejamento avançado de cuidado. Prognóstico: Predição do curso ou do resultado provável de uma doença, condição ou tratamento, que estima a trajetória futura da saúde de um indivíduo, com espectro amplo, não limitado à estimativa de sobrevida.
Dica da especialista 🤌🏻
Você já tem o e-pali ou costuma ler A incrível newsletter paliativa? Então já sabe que essa é uma seção especial: aqui compartilhamos insights a partir da nossa visão e experiência profissional.
💡Uma prática simples, mas poderosa, é sempre perguntar ao paciente: “O que é mais importante para você agora?”. Isso coloca os valores e desejos dele no centro do cuidado, alinhando ações com seus objetivos de vida e com os princípios dos Cuidados Paliativos.
Referências bibliográficas
Tourinho F. E-pali: conceitos e fundamentos. [S.l.: s.n.], 2023
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Chochinov HM, McClement S, Hack T, Thompson G, Dufault B, Harlos M. Eliciting personhood within clinical practice: Effects on patients, families, and health care providers. Journal of Pain and Symptom Management. 2015 Jun 1;49(6):974-980.e2.