Categorias: Fundamentos Autores: Juliana Martins, médica clínica e paliativista Publicado em: 08/01/2025
Contexto
Os Cuidados Paliativos são uma área essencial da saúde com uma demanda crescente, mas ainda pouco conhecida por muitos profissionais e pelo público em geral. Compreender adequadamente seu conceito é fundamental para identificar seus objetivos, definir a população-alvo e estabelecer os procedimentos necessários para uma prática eficaz. Esta #PP tem como objetivo esclarecer a definição de Cuidados Paliativos.
O que são Cuidados Paliativos?
Existem diversas definições para os Cuidados Paliativos, sendo a mais reconhecida a da Organização Mundial da Saúde (OMS), atualizada em 2020. Segundo a OMS, Cuidados Paliativos são definidos como:
"Uma abordagem que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente (adultos e crianças) e seus familiares, diante de uma doença que ameace a vida. Ela previne e alivia sofrimento através da identificação precoce e avaliação e tratamento corretos da dor e de outros problemas, sejam eles físicos, psicossociais ou espirituais."
Esta definição adota uma perspectiva centrada na pessoa, independentemente de sua idade, priorizando a qualidade de vida tanto do paciente quanto de seus familiares. Ela também incorpora o conceito de dor total, cunhado por Cicely Saunders, que aborda o sofrimento de forma integrada, englobando as dimensões física, emocional, social e espiritual.
Outras definições são apresentadas por organizações de cuidados paliativos ao redor do mundo. A definição proposta pela European Association for Palliative Care (EAPC) enfatiza a interdisciplinaridade do cuidado e a necessidade de oferecê-lo em múltiplos ambientes, como hospitais e domicílios, além de incluir o conceito de ortotanásia. No entanto, mesmo após a revisão realizada em 2022, a definição continua indicando cuidados paliativos apenas para "pacientes com doenças não responsivas a tratamento curativo". Essa limitação contrasta com a prática atual, que reconhece que pacientes com doenças graves podem se beneficiar de cuidados paliativos de forma precoce, mesmo quando há possibilidade de cura.
Um exemplo claro é o caso de pacientes com câncer de mama triplo positivo. Apesar do bom prognóstico – com taxas de sobrevida de até 99% em cinco anos, dependendo do estágio –, a carga de sintomas e o impacto emocional associados à doença justificam a introdução precoce de cuidados paliativos.
A International Association for Hospice and Palliative Care (IAHPC), em sua definição de 2020, deslocou o foco do prognóstico para a carga de sofrimento, integrando o conceito de sofrimento total. Nesse contexto, os Cuidados Paliativos são definidos como cuidados holísticos e ativos, destinados a pessoas de todas as idades que enfrentam sofrimento intenso, independentemente de estarem em fase terminal. Essa definição expande a abordagem da OMS ao incluir a compreensão de que doenças graves – mesmo que não ameaçadoras à vida – também podem demandar cuidados paliativos devido à sobrecarga de sintomas e ao sofrimento enfrentado pelos pacientes.
A tabela abaixo apresenta as três principais definições contemporâneas de Cuidados Paliativos. Embora possuam diferenças em seus enfoques, todas convergem para o entendimento de que os Cuidados Paliativos são uma abordagem indispensável para o alívio do sofrimento, promovendo qualidade de vida e dignidade, independentemente da fase da doença.
A Evolução da Definição de Cuidados Paliativos na OMS
A primeira definição: Desde sua primeira definição em 1990, no periódico Cancer Pain Relief and Palliative Care, os Cuidados Paliativos evoluíram de uma abordagem focada no fim da vida para uma prática multidimensional e abrangente. A definição inicial enfatizava o cuidado ativo e total para pacientes cuja doença não respondia mais ao tratamento curativo, priorizando o alívio da dor e o suporte emocional, social e espiritual.
Cuidados Paliativos Pediátricos: A primeira definição específica para Cuidados Paliativos Pediátricos foi apresentada em 1998, já destacando que essa abordagem não deveria depender da ausência de propostas curativas e que deveria ser iniciada no momento do diagnóstico de uma doença ameaçadora à vida. Essa definição também incorporou, de forma explícita, a necessidade de uma equipe multidisciplinar para sua aplicação adequada.
Revisões da Definição: Em 2002, a OMS revisou sua definição de Cuidados Paliativos, ampliando o conceito para incluir cuidados precoces e enfatizando a prevenção e o alívio do sofrimento em todas as suas dimensões. Posteriormente, em 2017 e 2022, ocorreram pequenas alterações, unificando as definições para Cuidados Paliativos em adultos e pediátricos, refletindo um entendimento mais integrado dessa prática.
As revisões no conceito da OMS objetivaram expandir e tornar mais claro o conceito de cuidados paliativos:
Desassociar a abordagem da ausência de tratamento curativo;
Englobar todas as doenças que ameaçam a continuidade da vida;
Incluir a família como objeto do cuidado;
Incluir crianças, ausentes nas definições anteriores.
Modo de usar:
Descubra como aplicar esta pílula paliativa de forma prática em seu dia a dia.
Conheça o conceito: Compreender a definição de cuidados paliativos é essencial para identificar pacientes que podem se beneficiar dessa abordagem e para justificar sua indicação e conduta ao restante da equipe ou familiares.
Atue com uma equipe interdisciplinar: A prática de cuidados paliativos exige a colaboração de profissionais de diferentes áreas, como médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e capelães (equipe mínima), garantindo um atendimento integral.
Inclua a família: Cuidados paliativos envolvem também o suporte ao núcleo sociofamiliar do paciente, que frequentemente vivencia sofrimento paralelo ao dele.
Glossário Paliativo 🗺
O glossário paliativo traz os principais termos que você precisa conhecer em cuidados paliativos. A cada edição da Pílula Paliativa você encontrará neste espaço os termos citados.
Cuidados Paliativos: Abordagem que alivia o sofrimento e promove qualidade de vida de pacientes de qualquer idade, além de seus familiares e cuidadores, que enfrentam problemas relacionados a uma doença que ameaça a continuidade da vida. Deve ser iniciada precocemente, desde o diagnóstico. Não é sinônimo de terminalidade, fim de vida, ausência de possibilidade de cura ou tratamento modificador da doença. Dor total: Conceito criado por Cicely Saunders na década de 1960, que propõe que a dor é multidimensional, não apenas física. Esse conceito apresenta o sofrimento como um fenômeno abrangente, envolvendo dimensões físicas, emocionais, sociais e espirituais, que estão interligadas e se influenciam mutuamente. Atualmente, esse entendimento pode ser ampliado para o termo "sofrimento total", aplicando-se a outros tipos de sofrimento que, anteriormente, eram considerados exclusivamente físicos, como a dispneia e a náusea. European Association for Palliative Care (EAPC): Organização europeia fundada em 1988 comprometida em apoiar a promoção e desenvolvimento dos cuidados paliativos na Europa, assim como fora dela através da parceria com outras organizações. Encontra-se sediada em Bruxelas, na Bélgica. International Association for Hospice and Palliative Care (IAHPC): Organização internacional sem fins lucrativos dedicada ao avanço do acesso a cuidados paliativos e de hospice em todo o mundo. Fundada em 1980 nos Estados Unidos, a IAHPC tem como missão promover e apoiar o desenvolvimento e a implementação de políticas, práticas e sistemas que assegurem cuidados paliativos acessíveis, equitativos e de alta qualidade. Organização Mundial de Saúde (OMS): Parte das Nações Unidades e também sediada em Genebra, na Suíça, é uma organização dedicada à saúde e segurança mundial fundada em 1948. Sua função central é direcionar e coordenar o trabalho internacional de saúde por meio da colaboração entre os 194 Estados-membros, estes organizados em 6 regiões de saúde (África, Américas/Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), Mediterrâneo Oriental, Europa, Ásia Sudoriental e Pacífico Ocidental). Em inglês, diz-se “World Health Organization (WHO)”. Ortotanásia: Morte natural, no tempo certo, sem prolongamento artificial do processo de morrer e também sem antecipação da morte. É o que buscam os cuidados paliativos.
Dica da especialista 🤌🏻
Você já tem o e-pali ou costuma ler A incrível newsletter paliativa? Então já sabe que essa é uma seção especial: aqui compartilhamos insights a partir da nossa visão e experiência profissional.
💡A definição de cuidados paliativos possui muitas camadas de saber e traz em si muitos dos princípios da prática. Dominar esta definição traz clareza à sua prática e facilita o seu diálogo com os colegas. Utilize a própria definição para discutir a identificação de pacientes com indicação de acompanhamento, assim como as abordagens de controle de sofrimento que você propuser.
Referências bibliográficas
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Payne S, Harding A, Williams T, Ling J, Ostgathe C. Revised recommendations on standards and norms for palliative care in Europe from the European Association for Palliative Care (EAPC): A Delphi study. Palliat Med. 2022;36(4):680-697.
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Cancer pain relief and palliative care. Report of a WHO Expert Committee. World Health Organization technical report series [Internet]. 1990; 804:1–75.
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