Categorias: Fundamentos, Manejo de sintomas, Tomada de decisão, Manejo de fim de vida, Gestão em Cuidados Paliativos Autor(a): Milena Ramos, médica emergencista e paliativista Publicado em: 21/05/2025
Contexto
O atendimento pré-hospitalar (APH) é frequentemente o primeiro ponto de contato de pacientes em situações de urgência — incluindo aqueles com necessidades de Cuidados Paliativos, especialmente nos últimos meses de vida. A inserção da abordagem paliativa nesse cenário é essencial para garantir o alívio do sofrimento, o respeito à dignidade do paciente e a tomada de decisões clínicas adequadas desde o início do cuidado. Isso contribui para evitar intervenções invasivas desnecessárias, promovendo conforto, acolhimento e redução do sofrimento. Embora exista vasta literatura sobre Cuidados Paliativos em contextos domiciliares e hospitalares, essa abordagem ainda é pouco explorada no ambiente pré-hospitalar. Nesta #PP, abordaremos esse tema à luz das evidências disponíveis.
Identificando Pacientes com Necessidades Paliativas no APH
Pacientes com doenças graves, crônicas ou em fase avançada frequentemente acionam o atendimento pré-hospitalar (APH) devido a crises agudas de sintomas como dor, dispneia, agitação ou outras manifestações clínicas significativas. Identificá-los corretamente é essencial para garantir uma abordagem mais adequada, centrada no acolhimento e no controle dos sintomas em suas múltiplas dimensões — física, emocional, social e espiritual — e para evitar a distanásia.
Essa identificação pode ocorrer de duas formas. Quando o paciente já está em acompanhamento paliativo, é possível utilizar relatórios médicos prévios que indiquem seu plano de cuidados e verificar se foi realizado o planejamento antecipado de cuidados e se o paciente possui um testamento vital. Já nos casos em que essa demanda ainda não foi reconhecida formalmente, podem ser aplicadas ferramentas de triagem em Cuidados Paliativos, como a Pergunta Surpresa ("Você ficaria surpreso se este paciente falecesse nos próximos 12 meses?") e o SPICT-BR (Supportive & Palliative Care Indicators Tool). Ambas são úteis para identificar rapidamente, ainda na cena do atendimento, pacientes que podem se beneficiar da abordagem paliativa.
Manejo de Sintomas no APH com Abordagem Paliativa
A abordagem paliativa no ambiente pré-hospitalar enfatiza o manejo rápido e eficaz dos sintomas, utilizando intervenções tanto farmacológicas quanto não farmacológicas. Os sintomas mais frequentes nesse contexto incluem dor, dispneia, náuseas, vômitos e ansiedade.
Entre as intervenções farmacológicas mais utilizadas estão os opioides para o controle da dor e da dispneia, os benzodiazepínicos para o manejo da ansiedade e agitação, e os antieméticos para o controle de náuseas e vômitos. A escolha da medicação deve considerar a intensidade dos sintomas, o histórico clínico do paciente, a via de administração disponível e, sempre que possível, suas preferências.
As medidas não farmacológicas também desempenham papel essencial. Incluem o posicionamento confortável do paciente, o suporte emocional por meio de uma comunicação empática, técnicas de respiração guiada e o envolvimento tranquilizador dos familiares presentes no local.
Tomada de Decisão e Transporte no APH
Uma decisão crítica no APH com abordagem paliativa é determinar se o paciente deve ser transportado para um serviço de emergência ou se pode ser adequadamente manejado no local. Essa decisão deve levar em conta a gravidade e a controlabilidade dos sintomas, a existência de testamento vital e a opinião informada de pacientes e familiares.
Pacientes estáveis, com sintomas controlados após a intervenção inicial e com diretivas claras sobre a preferência de local de cuidado, podem se beneficiar do manejo no próprio local — especialmente quando há suporte de serviços domiciliares. Por outro lado, pacientes em situações mais complexas, com sintomas de difícil controle ou instabilidade clínica, ou ainda quando os objetivos do cuidado não estão claramente definidos, geralmente devem ser transportados para unidades de saúde com capacidade para atendimento paliativo estruturado.
Modo de usar:
Descubra como aplicar esta pílula paliativa de forma prática em seu dia a dia.
Identifique rapidamente pacientes com necessidades paliativas utilizando perguntas específicas e ferramentas validadas no local do atendimento.
Intervenha imediatamente nos sintomas predominantes com medidas farmacológicas e não farmacológicas adequadas ao contexto pré-hospitalar.
Decida sobre transporte ou manejo no local com base em critérios clínicos claros, considerando diretivas antecipadas de vontade e comunicação com familiares.
Registre detalhadamente sua avaliação, o que foi compartilhado com os familiares e suas condutas adotadas. Sempre que possível, deixe um relatório do seu atendimento com o familiar ou em caso de transferência, com o médico do serviço de saúde que acolher o paciente.
Dica da especialista 🤌🏻
Você já tem o e-pali ou costuma ler A incrível newsletter paliativa? Então já sabe que essa é uma seção especial: aqui compartilhamos insights a partir da nossa visão e experiência profissional.
💡 No atendimento pré-hospitalar, utilize estratégias para ganhar tempo! Inicie rapidamente o controle dos sintomas, de preferência incluindo o uso de opioides fortes como a morfina, enquanto coleta mais informações. E o principal: mantenha uma comunicação clara e acolhedora com pacientes e familiares. Utilize tom de voz suave, fale pausadamente e sempre olhe nos olhos. Muitas vezes, uma escuta ativa e empática é tão eficaz quanto as intervenções farmacológicas.
Glossário Paliativo 🗺
O glossário paliativo traz os principais termos que você precisa conhecer em cuidados paliativos. A cada edição da Pílula Paliativa você encontrará neste espaço os termos citados.
Diretivas antecipadas de vontade (DAV): Gênero de documentos de autodeterminação do paciente, com objetivo de manifestar previamente sua vontade para guiar seu cuidado médico em situações específicas, que terá efeito quando ele (o paciente) não conseguir manifestar autonomamente seus desejos. São exemplos: plano de parto, testamento vital, etc. Dispneia: Sensação subjetiva de dificuldade ou desconforto para respirar, com intensidade variável. Resulta da interação de fatores fisiológicos, psicológicos, sociais e ambientais, podendo desencadear respostas físicas e emocionais. Distanásia: Prolongamento artificial do processo de morte através do uso de medidas de suporte orgânico artificial em pacientes que não têm benefício destas medidas - ou seja, sem possibilidade de melhora do quadro de base -, possivelmente resultando em sofrimento intenso. Considerada infração do Código de Ética Médica no Brasil. Dor: De acordo com a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), é “uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada a uma lesão tecidual real ou potencial, ou descrita nos termos de tal lesão”. Ferramentas de triagem em Cuidados Paliativos: Ferramenta destinada à identificação de pacientes que possam se beneficiar da abordagem paliativa. Uma boa ferramenta de triagem deve ser sensível – ou seja, capaz de identificar todos os pacientes com necessidades paliativas –, mesmo que, para isso, apresente menor especificidade, incluindo pacientes que talvez não tenham um benefício claro da abordagem paliativa. Além disso, é desejável que a ferramenta identifique os pacientes precocemente, e não apenas em fases avançadas ou no fim de vida. Exemplos incluem: NECPAL-BR, SPICT-BR e GSF-PIG. Opioide: Termo que engloba os alcaloides derivados da papoula (Papaver somniferum), seus análogos sintéticos e as substâncias endógenas que se ligam aos receptores opioides distribuídos por todo o corpo. Como medicamentos, são utilizados principalmente para o controle da dor, mas também podem ser eficazes no alívio de outros sintomas. Pergunta surpresa: Ferramenta prognóstica do tipo previsão clínica de sobrevida, baseada na opinião clínica do especialista. A pergunta é: “Você se surpreenderia se este paciente falecesse no próximo ano?”. Uma resposta negativa sugere maior risco de óbito. Supportive and Palliative Care Indicators Tool (SPICT-BR): Ferramenta de triagem para identificação de pacientes com risco de piora clínica e que possam necessitar de Cuidados Paliativos, com base em sinais de deterioração clínica e complexidade de sintomas. Amplamente adotada em nível internacional, é validada para o português brasileiro. Publicada originalmente em 2010 por Kirsty Boyd e Scott Murray, do Primary Palliative Care Research Group da Universidade de Edimburgo, na Escócia. Testamento vital: Tipo de diretiva antecipada de vontade (DAV), que versa sobre os tratamentos e preferências de cuidados relacionados à terminalidade da vida. Na Resolução do Conselho Federal de Medicina Nº 1995/2012, é trazida como sinônimo de DAV.
Referências bibliográficas
Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Manual de Cuidados Paliativos ANCP. São Paulo: ANCP, 2021.
Ministério da Saúde. Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP), Brasil, 2024.
Supportive and Palliative Care Indicators Tool (SPICT). Edinburgh: University of Edinburgh, 2023.
Organização Mundial da Saúde. WHO guidelines for the pharmacological and radiotherapeutic management of cancer pain in adults and adolescents. Genebra: WHO, 2018.
Conselho Federal de Medicina. Diretivas Antecipadas de Vontade: resolução nº 1.995/2012. Brasília: CFM, 2012.