Categorias: Comunicação compassiva Autor(a): Juliana Martins, médica clínica e paliativista Publicado em: 23/04/2025
Contexto
Ser capaz de perceber e responder às emoções do outro é fundamental para a vida em sociedade. Embora a comunicação não verbal seja amplamente mencionada, isso não significa que saibamos reconhecê-la ou utilizá-la de forma eficaz. Nos Cuidados Paliativos, onde a comunicação é uma das bases da prática clínica, ampliar o repertório de ferramentas comunicativas é essencial para favorecer interações mais compassivas e efetivas. Diante disso, esta #PP revisita os principais aspectos da comunicação não verbal e apresenta orientações práticas para seu uso consciente no cuidado de pacientes em sofrimento.
O que é comunicação não verbal?
A comunicação não verbal é a transmissão de mensagens e a expressão de emoções sem o uso de palavras — faladas ou escritas. Ela ocorre por meio do corpo, do espaço, do tom de voz e de outros sinais. Estamos constantemente enviando e recebendo mensagens, mesmo em silêncio — estima-se que mais de 90% das possibilidades de comunicação entre seres humanos sejam não verbal.
Apesar de sua importância, esse recurso poderoso ainda é pouco explorado na formação de profissionais de saúde, mesmo tendo impacto direto na satisfação dos pacientes, nos desfechos clínicos e até na prevenção de litígios médicos. A falta de consciência sobre o uso dessas múltiplas formas de comunicação aumenta o risco de que nossas mensagens não sejam compreendidas — e de que deixemos de perceber aquilo que o outro está tentando comunicar.
Em situações de vulnerabilidade, como as vivenciadas por pacientes sob abordagem paliativa, esses sinais ganham ainda mais relevância. Ignorá-los significa perder informações preciosas sobre o que o paciente sente e vive.
Para manter a atenção às nuances da comunicação não verbal, o acrônimo EMPATHY é uma ferramenta prática e útil:
Eyes contact (Contato visual)
Muscles of facial expression (Expressões faciais)
Posture (Postura)
Affect (Afeto)
Tone of voice (Tom de voz)
Hearing the whole patient (Ouvir o paciente como um todo)
Your response (Sua resposta pessoal)
Esse acrônimo nos lembra que comunicar-se com compaixão exige atenção simultânea ao outro e a nós mesmos.
Uso do corpo e do espaço
O corpo é uma linguagem viva. Cada gesto, postura ou proximidade comunica algo — assim como a forma como utilizamos o espaço que ocupamos.
A postura, as expressões faciais e o contato visual são ferramentas poderosíssimas de comunicação. Diversos estudos demonstram a tendência à resposta rápida por meio da mímica facial a emoções que reconhecemos nos outros — seja essa percepção consciente ou não. O contato visual sustentado é um sinal neurobiológico de confiança: pesquisas com animais mostram aumento da secreção de ocitocina, redução do estresse e fortalecimento do vínculo social.
Algumas ferramentas de comunicação, como o protocolo SPIKES, destacam a importância de uma relação mais acolhedora com o espaço. Recomenda-se evitar barreiras físicas entre as pessoas, garantir que todos estejam idealmente sentados e com os olhares à mesma altura — condições que favorecem uma comunicação mais empática.
O uso do espaço na comunicação — chamado de proxêmica — reforça a necessidade de respeitar o espaço pessoal do outro para gerar conforto e segurança. Aproximar-se demais pode ser vivido como invasivo; manter distância excessiva pode transmitir desinteresse. Nesse contexto, vale mencionar o toque terapêutico, que deve ser sempre avaliado de acordo com os valores culturais e emocionais da pessoa. Em algumas culturas, é inaceitável; em outras, pode ser essencial para oferecer conforto — como segurar a mão ou tocar o ombro em momentos difíceis.
Na realidade atual, em que a telemedicina passou a integrar o ecossistema da saúde, é fundamental adaptar a comunicação não verbal para que ela possa ser utilizada de forma intencional nesse ambiente. Em videochamadas, deve-se cuidar do enquadramento da câmera, da iluminação, da maximização da tela e da manutenção do olhar direcionado à lente, simulando o contato visual. Sempre que possível, cada profissional envolvido deve participar da chamada por um dispositivo individual — o que facilita a percepção dos sinais não verbais emitidos por pacientes, familiares e demais membros da equipe.
Paralinguagem e as emoções
A paralinguagem diz respeito à forma como nos expressamos por meio da voz — não ao conteúdo do que dizemos, mas como dizemos. Por isso, é fundamental estar atento às características da nossa fala:
O tom de voz influencia diretamente a forma como a mensagem é recebida. Um tom gentil e acolhedor favorece uma comunicação compassiva. A inflexão — ou seja, a variação do tom — ajuda a transmitir presença emocional e intenção na fala.
O volume demonstra a intensidade com que a voz é emitida. Um volume moderado transmite segurança e evita sobrecarregar emocionalmente o paciente, o que pode acontecer em volumes altos.
Uma velocidade mais lenta e um ritmo pausado facilitam a absorção das informações e favorecem o reconhecimento dos momentos de silêncio e escuta ativa.
Apropriar-se dessas múltiplas formas de usar a voz — seja para reconhecê-las, seja para aplicá-las com intencionalidade — exige autoconhecimento e prática. Também requer presença: é preciso se perceber e identificar as emoções envolvidas no uso da comunicação não verbal.
Comunicar não é apenas transmitir informações — é também acolher emoções, as suas e as do outro. Reconhecer a comunicação não verbal como veículo emocional é essencial para a compreensão integral da mensagem.
Nesse sentido, o autoconhecimento se torna ainda mais relevante. Uma postura compassiva e acolhedora só é possível quando somos capazes de identificar como a comunicação do outro nos afeta. Reconhecer nossas próprias emoções ajuda a proteger contra a fadiga por compaixão, o desgaste emocional e os conflitos — tanto internos quanto entre membros da equipe.
É importante lembrar que a comunicação não verbal envolve múltiplas ferramentas que devem ser interpretadas de forma integrada e contextualizada — e não como sinais isolados. Os contextos culturais e as individualidades de cada paciente e profissional influenciam diretamente na forma como essas ferramentas são utilizadas. Por isso, não podemos, por exemplo, rotular alguém como agressivo apenas por ter um volume de voz mais alto.
O “H” do acrônimo EMPATHY — Hearing the whole patient — nos lembra da importância de integrar todas as informações disponíveis, verbais e não verbais. Sabe-se que a incongruência entre elas pode gerar desconfiança por parte do receptor. Por isso, aprender a utilizar a comunicação não verbal de forma consciente também contribui para tornar a comunicação mais coerente, aumentando sua confiabilidade.
Em resumo, a comunicação não verbal não é feita de sinais isolados: ela deve ser interpretada em conjunto, levando em conta o contexto, a cultura e as singularidades de cada paciente e profissional.

Modo de usar:
Descubra como aplicar esta pílula paliativa de forma prática em seu dia a dia.
Observe conscientemente sua postura, expressões faciais e proximidade física em todas as interações;
Ajuste sua voz — tom, ritmo e volume — de acordo com cada situação e com as necessidades do paciente;
Acolha as emoções do paciente e reconheça as suas próprias, com presença e autenticidade;
Utilize o E.M.P.A.T.H.Y. como um checklist mental em conversas, tanto presenciais quanto virtuais.
Dica da especialista 🤌🏻
Você já tem o e-pali ou costuma ler A incrível newsletter paliativa? Então já sabe que essa é uma seção especial: aqui compartilhamos insights a partir da nossa visão e experiência profissional.
💡 Confesso: tenho dificuldade em chegar no horário. Mas, em comunicação não verbal, isso também é uma mensagem. A cronêmica — o estudo do uso do tempo na comunicação — nos ensina que atrasos e falta de pontualidade podem ser interpretados como desinteresse, desrespeito ou falta de prioridade em relação ao outro. Em comunicação, cada gesto importa. Ajustar-se ao tempo do outro é uma forma poderosa de cuidado. Chegar no horário, dedicar o tempo necessário e não apressar as conversas transmite presença, respeito e acolhimento genuíno. O tempo também é linguagem e deve ser com intenção — e eu venho em busca constante disso.
Glossário Paliativo 🗺
O glossário paliativo traz os principais termos que você precisa conhecer em cuidados paliativos. A cada edição da Pílula Paliativa você encontrará neste espaço os termos citados.
Acrônimo EMPATHY: Ferramenta desenvolvida para facilitar a comunicação empática entre profissionais de saúde e seus pacientes através de estratégias não verbais. Publicado em 2014 por Riess H et al., cada letra do acrônimo representa uma estratégia de comportamento empático, sendo: E: Eye contact (Contato visual) M: Muscles of facial expression (Músculos da expressão facial) P: Posture (Postura) A: Affect (Afeto) T: Tone of voice (Tom de voz) H: Hearing the whole patient (Ouvir o paciente como um todo) Y: Your response (Sua resposta). Comunicação não verbal: Transmissão de mensagens e expressão de emoções sem o uso de palavras - faladas ou escritas. Protocolo SPIKES: Protocolo de seis etapas criado para estruturar a comunicação de más notícias, inicialmente criado para aplicação no contexto de oncologia. Foi publicado por Baile WF et al. em 2000 e é utilizado mundialmente para a sistematização da comunicação de más notícias em diversos contextos clínicos, sendo cada etapa representada por uma letra: S: Setting up (Preparação) P: Perception (Percepção) I: Invitation (Convite) K: Knowledge (Conhecimento) E: Emotions (Emoções) S: Strategy and Summary (Estratégia e Resumo). Telemedicina: Exercício da medicina por meio de tecnologias digitais de informação e comunicação, seja de forma online ou assíncrona. A telemedicina pode ser utilizada para: Assistência, Educação, Pesquisa, Prevenção de doenças e lesões, Gestão e promoção da saúde. No Brasil, é regulamentada pela Resolução CFM nº 2.314/2022.
Referências bibliográficas
Tamietto M, Castelli L, Vighetti S, Perozzo P, Geminiani G, Weiskrantz L, et al. Unseen facial and bodily expressions trigger fast emotional reactions. Proceedings of the National Academy of Sciences [Internet]. 2009 Oct 20;106(42):17661–6.
Seibt B, Mühlberger A, Likowski KU, Weyers P. Facial mimicry in its social setting. Frontiers in Psychology [Internet]. 2015 Aug 11;6.
Forte DN, Stoltenberg M, da Costa Ribeiro SC, Olsen de Almeida IM, Jackson V, Daubman BR. The Hierarchy of Communication Needs: A Novel Communication Strategy for High Mistrust Settings Developed in a Brazilian COVID-ICU. Palliative Medicine Reports. 2024 Feb 1;5(1):86–93.
Baile WF, Buckman R, Lenzi R, Glober G, Beale EA, Kudelka AP. SPIKES-A six-step protocol for delivering bad news: application to the patient with cancer. Oncologist. 2000;5(4):302-311. doi:10.1634/theoncologist.5-4-302
Riess, H., & Kraft-Todd, G. (2014). E.M.P.A.T.H.Y.: A Tool to Enhance Nonverbal Communication Between Clinicians and Their Patients. Academic Medicine, 89(8), 1108–1112.
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