Categorias: Fundamentos Autores: Ana Flávia Figueiredo, farmacêutica paliativista Publicado em: 26/03/2025
Contexto
A multidisciplinaridade na saúde tem ganhado destaque nos últimos anos. Em Cuidados Paliativos, não poderia ser diferente: garantir um cuidado integral e multidimensional é imprescindível, sobretudo diante de doenças ameaçadoras à vida. Dentre os profissionais que integram essa equipe e participam ativamente do processo de cuidado e das tomadas de decisão, destaca-se o farmacêutico. Nesta #PP, discutiremos a contribuição desse profissional na equipe de Cuidados Paliativos.
Qual a importância do farmacêutico na equipe de Cuidados Paliativos?
Embora não componha a equipe mínima de Cuidados Paliativos definida pela Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP), a presença do farmacêutico clínico vem se consolidando cada vez mais. Nos últimos dez anos, houve um expressivo aumento nas publicações sobre sua atuação na área, conforme evidenciado na literatura.
O uso de medicamentos é uma das ferramentas mais relevantes para aumentar a qualidade e a expectativa de vida, além de manejar sintomas e agravos à saúde, de forma que a farmacoterapia torna-se essencial para o alívio do sofrimento. Na prática clínica, a polifarmácia é uma realidade frequente, especialmente em pacientes sob Cuidados Paliativos, o que pode impactar negativamente na eficácia das medicações, bem como na carga de eventos adversos.
Nesse cenário, o farmacêutico clínico desempenha um papel fundamental ao garantir a efetividade e segurança da farmacoterapia. Para isso, precisa estar atento a fatores como medicamentos inapropriados ou fúteis, duplicação terapêutica, interações medicamentosas clinicamente relevantes e possíveis reações adversas, propondo estratégias para seu manejo.
Quais as principais funções desse profissional na equipe de Cuidados Paliativos?
A atuação do farmacêutico clínico em Cuidados Paliativos pode ser organizada em cinco grandes eixos: avaliação dos medicamentos, gestão de sintomas, desenvolvimento de políticas e protocolos, educação e transição de cuidados.
Avaliação de medicamentos: Revisar os fármacos prescritos com foco na segurança, efetividade e adequação ao contexto do paciente. Essa análise inclui verificar duplicações terapêuticas, interações medicamentosas, dose, frequência e necessidade de desprescrição. Avaliar a possibilidade de utilização de medicamentos contemplados nas relações municipais e estaduais também é essencial, facilitando a continuidade do tratamento após a alta. Além disso, o farmacêutico deve orientar sobre acesso a medicamentos via componente especializado, como é o caso da morfina, frequentemente utilizada em Cuidados Paliativos.
Gestão de sintomas: O farmacêutico colabora com o manejo da dor e outros sintomas físicos, utilizando escalas validadas, observando sinais clínicos e laboratoriais que possam indicar reações adversas. É comum, por exemplo, atuar no manejo da constipação induzida por opioide, ajustando a terapêutica em conjunto com a equipe.
Educação: O farmacêutico tem papel crucial na orientação sobre medicamentos ao paciente, familiares e equipe. Ferramentas como caixinhas organizadoras e tabelas de horários facilitam a adesão ao tratamento, sobretudo na alta hospitalar. No ambiente hospitalar, o uso de opioides é uma das áreas mais delicadas. Desmistificar e qualificar a equipe para que se sinta segura no manejo desses pacientes é essencial, e o farmacêutico pode contribuir diretamente nesse aspecto.
Transição de cuidados: Na desospitalização, o farmacêutico fortalece o vínculo com o paciente e sua família, avaliando o contexto sociofamiliar e o nível de compreensão. Compreender a escolaridade e facilitar o processo de educação do paciente e/ou cuidador são aspectos fundamentais. Estruturar tabelas, simplificar esquemas posológicos e garantir o acesso aos medicamentos são estratégias essenciais para assegurar a continuidade e a segurança do cuidado em domicílio.
Desenvolvimento de políticas: Apesar de recentes, há avanços importantes, como a criação do Comitê de Farmácia da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP). No entanto, ainda persistem lacunas, especialmente no que diz respeito ao acesso a medicamentos essenciais e ao fortalecimento de protocolos padronizados.
Modo de usar:
Descubra como aplicar esta pílula paliativa de forma prática em seu dia a dia.
Se você é farmacêutico, busque capacitação. Existem pós-graduações, cursos e vasta literatura sobre Cuidados Paliativos. Envolva-se com sua equipe e participe ativamente das decisões de cuidado.
Estabeleça um bom vínculo com a equipe: o controle de sintomas depende disso! Ter acesso a protocolos de controle de sintomas e manter-se atualizado sobre a farmacoterapia são aspectos essenciais.
Seja proativo! Como farmacêutico, você pode contribuir para o cuidado longitudinal, seja orientando o paciente e seus familiares no momento da alta, seja direcionando-os sobre a disponibilidade dos medicamentos nas unidades de saúde.
Dica da especialista 🤌🏻
Você já tem o e-pali ou costuma ler A incrível newsletter paliativa? Então já sabe que essa é uma seção especial: aqui compartilhamos insights a partir da nossa visão e experiência profissional.
💡Talvez este texto tenha encontrado um(a) farmacêutico(a) que nunca pensou em sua contribuição específica nos Cuidados Paliativos. Espero que desperte esse interesse! Integrar uma equipe de Cuidados Paliativos tem sido uma das experiências mais transformadoras da minha vida. Na unidade onde atuo, estratégias simples como caixinhas organizadoras, tabelas com horários e a capacitação cuidadosa de pacientes e cuidadores têm mostrado um enorme impacto, fortalecendo a adesão ao tratamento e assegurando qualidade ao cuidado. Além disso, viabilizar acesso a medicamentos após alta é uma missão diária. Em parceria com a equipe, já conseguimos ajustar prescrições para evitar que pacientes abandonem o tratamento por questões financeiras - e isso é cuidar com dignidade.
Glossário Paliativo 🗺
O glossário paliativo traz os principais termos que você precisa conhecer em cuidados paliativos. A cada edição da Pílula Paliativa você encontrará neste espaço os termos citados.
Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP): Instituição de representação multiprofissional de Cuidados Paliativos no Brasil. Tem como missão o desenvolvimento e reconhecimento dos Cuidados Paliativos como campo de conhecimento científico e área de atuação profissional. Fundada em 2005, tem sede em São Paulo. Desprescrição: Processo sistemático de retirada de medicamentos desnecessários ou potencialmente prejudiciais em uso por pacientes portadores de doença ameaçadora à vida à medida que a expectativa de vida se reduz. Equipe mínima de Cuidados Paliativos: Composição mínima de uma equipe de Cuidados Paliativos, geralmente formada por um médico paliativista, um enfermeiro, um assistente social e um capelão, segundo referências internacionais. No Brasil, a Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP) define a Equipe Assistencial de Cuidados Paliativos (EAPC) como composta por médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, assistente social e psicólogo. Polifarmácia: Uso simultâneo de 5 ou mais medicamentos que, embora muitas vezes necessário, aumenta o risco de interações medicamentosas, reações adversas e dificulta a adesão ao tratamento. Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP): Conjunto de medidas e diretrizes instituídas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) pelo Ministério da Saúde do Brasil para garantir acesso a Cuidados Paliativos de qualidade aos usuários do sistema. A PNCP foi instituída através da Portaria nº 3.681, de 7 de maio de 2024. Opioide: Termo que engloba os alcaloides derivados da papoula (Papaver somniferum), seus análogos sintéticos e as substâncias endógenas que se ligam aos receptores opioides distribuídos por todo o corpo. Como medicamentos, são utilizados principalmente para o controle da dor, mas também podem ser eficazes no alívio de outros sintomas.
Referências bibliográficas
Uchida, M., Suzuki, S., Sugawara, H., Suga, Y., Kokubun, H., Uesawa, Y., ... & Takase, H. (2019). Uma pesquisa nacional de intervenções de farmacêuticos hospitalares para melhorar a polifarmácia para pacientes com câncer em cuidados paliativos no Japão. Journal of Pharmaceutical Health Care and Sciences , 5 , 1-13.
Walker, K. A. (2010). Role of the pharmacist in palliative care. Progress in Palliative Care, 18(3), 132-139.
Moody, JJ, Poon, IO, & Braun, Reino Unido (2022). O papel de um farmacêutico clínico de internação em Hospice e paliativo na equipe interdisciplinar. American Journal of Hospice and Palliative Medicine® , 39 (7), 856-864.
Gammaitoni, A. R., Gallagher, R. M., Welz, M., Gracely, E. J., Knowlton, C. H., & Voltis-Thomas, O. (2000). Palliative pharmaceutical care: a randomized, prospective study of telephone-based prescription and medication counseling services for treating chronic pain. Pain Medicine,1(4), 317-331.