Categorias: Fundamentos, Comunicação compassiva, Gestão em Cuidados Paliativos Autores: Fernanda Tourinho, médica clínica e paliativista, Juliana Martins, médica clínica e paliativista Publicado em: 19/02/2025
Contexto
Cuidados Paliativos de qualidade são construídos por uma equipe multiprofissional que enxerga o paciente de forma integral, considerando tanto sua condição clínica quanto sua história de vida. Compreender a estrutura da equipe multiprofissional em Cuidados Paliativos é essencial para planejar e executar uma abordagem interdisciplinar centrada na pessoa, garantindo o atendimento adequado às necessidades físicas, psíquicas, sociais e espirituais dos pacientes. Esta #PP explora a composição dessa equipe e a dinâmica entre seus membros.
A Equipe Mínima e A Equipe Ampliada
A recomendação sobre a composição mínima da equipe de Cuidados Paliativos varia entre países, sendo, em geral, formada por um médico paliativista, um enfermeiro, um assistente social e um capelão. É importante destacar que a formação dos profissionais também apresenta diferenças entre os países, com variações nas competências que justificam as distinções nas equipes mínimas recomendadas.
No Brasil, a Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP) define a Equipe Assistencial de Cuidados Paliativos (EAPC) como composta por médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, assistente social e psicólogo. A equipe conta com um líder — geralmente o profissional de enfermagem ou medicina com maior expertise na área —, embora esse papel possa ser exercido por qualquer profissional que possua as habilidades necessárias para desempenhar essa função de forma eficaz.
É essencial destacar que o conceito de equipe mínima não tem o objetivo de restringir a participação de outros profissionais no cuidado, nem de sugerir que o atendimento pode ser realizado integralmente apenas pelos profissionais citados. Seu propósito é estabelecer um parâmetro mínimo - como o próprio nome sugere - para assegurar uma abordagem interdisciplinar eficaz e integrada. Essa estrutura mínima viabiliza um atendimento centrado nas necessidades do paciente e de sua família, garantindo a referência e contrarreferência com outros profissionais conforme as demandas específicas ao longo do acompanhamento. Sempre que possível, deve ser ampliada com a integração de outros profissionais na equipe.
A equipe ampliada de Cuidados Paliativos é composta, além dos integrantes da equipe mínima, por outros profissionais de saúde e do cuidado, cuja participação deve ser ajustada conforme os objetivos e características do serviço, levando em conta a população atendida, a viabilidade econômica, a integração com outros serviços e os padrões nacionais. Estes profissionais incluem os seguintes, entre outros:
Profissionais de saúde:
Farmacêuticos: avaliam a prescrição quanto a sua adequação e segurança, buscando conciliação medicamentosa. Orientam o paciente e familiares sobre o uso correto dos medicamentos, buscando melhor adesão à terapia medicamentosa com foco no controle de sintomas.
Fisioterapeutas: avaliam e atuam na preservação e reabilitação da funcionalidade, com objetivo de promover a maior independência e qualidade de vida possíveis. Atuam sobre sistema respiratório e osteomioarticular, identificando e prevenindo os riscos associados ao comprometimento desses sistemas. Promovem alívio de sintomas físicos com medidas não farmacológicas.
Fonoaudiólogos: avaliam os problemas relacionados à comunicação e à deglutição, atuando através de reabilitação e de adaptações para que haja segurança na alimentação, bem como buscam garantir formas de comunicação alternativa que preservem a autonomia do paciente.
Nutricionistas: avaliam as necessidades dietéticas e nutricionais do paciente e orientam a dieta, adaptando-a a cada fase da doença. Compreendem o alimentar além do nutrir, como oferta de cuidado e caminho para o conforto do paciente.
Odontolólogoss: buscam manter o equilíbrio do sistema estomatognático, mantendo a saúde bucal. Orientam e treinam as equipes, familiares e cuidadores sobre a importância dos cuidados bucais. Atuam no controle de sintomas relacionados a este aparelho.
Terapeutas Ocupacionais: promovem a autonomia e independência do paciente, adaptando itens ou ambientes para este fim. Trabalham técnicas de conservação de energia e orientam familiares e cuidadores a auxiliar no processo de forma segura, respeitosa e acolhedora.
Profissionais do Cuidado:
Cuidadores Profissionais: desempenham um papel crucial na assistência direta ao paciente, apoiando as atividades diárias. O conforto e bem-estar do paciente são diretamente dependentes da qualidade do cuidado deste profissional. É importante fornecer treinamento adequado ao cuidador para que ele possa desempenhar suas funções de forma eficiente, mas também incluí-lo como objeto do cuidado da equipe, junto ao binôminio paciente-família.
Terapeutas integrativos: através da utilização de diferentes recursos, como música, arte, pets, aromas, terapias manuais, etc, contribuem com o controle de sintomas físicos como dor e náusea, ofertam relaxamento e redução do estresse, além da propiciarem a expressão e conforto emocional, com objetivo de proporcionar bem-estar e qualidade de vida.
Doulas da morte: oferecem apoio emocional e conforto durante o processo de morte. Esta atuação surgiu na década de 1960 nos Estados Unidos e tem se expandido para outros países, incluindo o Brasil.
Voluntários: complementam o cuidado em diversas frentes.
Estratégias de Integração Disciplinar e Cultura da Equipe
Reunir profissionais não significa automaticamente ter uma equipe funcional. A qualidade do trabalho em equipe depende do grau de integração e colaboração entre os diferentes saberes, podendo se estruturar de diferentes formas:
Multidisciplinaridade: Cada profissional atua dentro de sua especialidade, com interações limitadas entre as áreas. A equipe é coordenada por uma liderança que alinha os objetivos do cuidado, garantindo que as ações individuais sigam um direcionamento comum.
Interdisciplinaridade: Ocorre troca ativa de conhecimentos entre os profissionais, com decisões conjuntas e colaboração para alcançar um objetivo compartilhado. Apesar da interação, os limites entre as funções de cada especialidade permanecem bem definidos.
Transdisciplinaridade: Caracteriza-se por uma colaboração plena e integrada, na qual os saberes se entrelaçam de forma fluida. A equipe trabalha com alta confiança mútua, permitindo maior flexibilidade nas funções e contribuindo para um cuidado mais centrado na pessoa.

Equipes pandisciplinares são menos comuns no Brasil, em parte devido às regulamentações dos órgãos de classe que determinam as atribuições de cada profissão. Nesse modelo, os membros da equipe recebem um treinamento interdisciplinar, e as funções são distribuídas não com base na formação profissional, mas sim considerando as preferências, habilidades individuais e a carga de trabalho de cada integrante.
Com o tempo, equipes experientes em Cuidados Paliativos evoluem para atuar de maneira transdisciplinar ou até pandisciplinar, promovendo um cuidado mais integrado, centrado na pessoa e satisfatório para os profissionais. Para alcançar esse nível de sinergia, é essencial desenvolver uma cultura institucional colaborativa, investir na comunicação intraequipe, fortalecer a confiança entre os membros e incentivar treinamentos interdisciplinares. Afinal, a fluidez entre os diferentes campos do conhecimento só ocorre quando esses saberes são compartilhados por todos.
Comunicação Intraequipe
Uma comunicação eficiente dentro e fora da equipe é um dos pilares de um time bem estruturado em Cuidados Paliativos, impactando diretamente a qualidade do atendimento ao paciente e o bem-estar da equipe. O Center to Advance Palliative Care (CAPC) recomenda 10 estratégias essenciais para fortalecer a comunicação e promover uma cultura colaborativa dentro da equipe:
Cultivar um ambiente positivo, incentivando gratidão e reconhecimento mútuo;
Definir objetivos claros e comuns, alinhando expectativas entre os membros da equipe;
Desenvolver a liderança em todos, garantindo que cada membro seja protagonista de algum subgrupo ou projeto;
Reconhecer conquistas e esforços, tanto individualmente quanto publicamente;
Priorizar a comunicação direta na resolução de conflitos, evitando a triangulação e promovendo diálogos francos;
Encarar conflitos como oportunidades de aprendizado, validando emoções, identificando causas e buscando soluções conjuntas;
Estimular interações presenciais, favorecendo relações interpessoais mais próximas e fortalecendo a coesão da equipe;
Garantir transparência na distribuição da carga de trabalho, assegurando equilíbrio e justiça entre os membros;
Tratar problemas como falhas de processos, e não de indivíduos, promovendo um ambiente seguro para aprendizado e melhoria contínua;
Estabelecer papéis e expectativas com clareza, garantindo que cada profissional compreenda sua função dentro da equipe.
Essas estratégias funcionam como um mapa para a construção de uma equipe coesa e colaborativa, mas não devem ser aplicadas de forma rígida. O mais importante é criar um ambiente de transparência e pertencimento, no qual cada profissional se sinta valorizado e motivado a oferecer o melhor cuidado possível.
Modo de usar:
Descubra como aplicar esta pílula paliativa de forma prática em seu dia a dia.
Identifique os profissionais essenciais para a sua equipe e avalie quais outros podem ser incorporados conforme as necessidades do serviço e dos pacientes;
Analise o modelo de integração disciplinar da sua equipe e reflita sobre estratégias para avançar em colaboração e alinhamento;
Aprimore a comunicação intraequipe, garantindo clareza nos papéis, evitando ruídos e promovendo alinhamento contínuo;
Fortaleça a cultura institucional, incentivando respeito, valorização dos saberes e trocas constantes entre os profissionais, criando um ambiente de aprendizado e cooperação.
Glossário Paliativo 🗺
O glossário paliativo traz os principais termos que você precisa conhecer em cuidados paliativos. A cada edição da Pílula Paliativa você encontrará neste espaço os termos citados.
Abordagem interdisciplinar: Trabalho colaborativo entre profissionais de diferentes áreas para atender às múltiplas necessidades do paciente e da família. Há o compartilhamento de informações e experiências que permite a tomada de decisões conjuntas e a construção de um plano de cuidados colaborativo. Se diferencia do atendimento multidisciplinar por prever a estreita interação entre os membros da equipe, mesmo que não no momento do atendimento. Center to Advance Palliative Care (CAPC): Organização americana dedicada a ampliar o acesso a cuidados de saúde de qualidade para pessoas com doenças graves, por meio de treinamentos, fornecimento de ferramentas e assistência técnica a profissionais e instituições. A entidade integra a Escola de Medicina do Hospital Mount Sinai, em Nova York. Equipe ampliada de Cuidados Paliativos: Equipe de Cuidados Paliativos que, além dos profissionais que compõem a equipe mínima de Cuidados Paliativos, inclui outros profissionais de saúde e do cuidado, como farmacêuticos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas, odontólogos, terapeutas ocupacionais, cuidadores profissionais, terapeutas integrativos, doulas da morte e voluntários, ampliando a oferta de cuidados de acordo com as necessidades do paciente e sua família. Equipe mínima de Cuidados Paliativos: Composição mínima de uma equipe de Cuidados Paliativos, geralmente formada por um médico paliativista, um enfermeiro, um assistente social e um capelão, segundo referências internacionais. No Brasil, a Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP) define a Equipe Assistencial de Cuidados Paliativos (EAPC) como composta por médico, enfermeiro, técnico de enfermagem, assistente social e psicólogo. Paliativista: Profissional de saúde especialista em Cuidados Paliativos. No Brasil, o reconhecimento da especialização em Cuidados Paliativos se dá através da prova de título - promovida pela Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), em parceria com a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), anualmente para médicos(as) e enfermeiros(as) - ou da residência médica ou multiprofissional - que pode ser feita por profissionais da Enfermagem, Farmácia, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Nutrição, Psicologia, Serviço Social e Terapia Ocupacional. Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP): Conjunto de medidas e diretrizes instituídas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) pelo Ministério da Saúde do Brasil para garantir acesso a Cuidados Paliativos de qualidade aos usuários do sistema. A PNCP foi instituída através da Portaria nº 3.681, de 7 de maio de 2024. Transdisciplinaridade: Estratégia de integração entre profissionais de diferentes áreas que promove colaboração plena e interconectada, permitindo que os saberes se entrelacem de maneira fluida em direção a um objetivo comum bem definido. A equipe opera com alta confiança mútua, garantindo maior flexibilidade nas funções.
Dica da especialista 🤌🏻
Você já tem o e-pali ou costuma ler A incrível newsletter paliativa? Então já sabe que essa é uma seção especial: aqui compartilhamos insights a partir da nossa visão e experiência profissional.
💡O trabalho multidisciplinar é essencial em Cuidados Paliativos. No entanto, no início da implantação de serviços no Brasil, ainda é comum que não haja apoio institucional para a formação de uma equipe completa, nem mesmo a mínima recomendada. Em nossa opinião, isso não deve ser um impeditivo para o início da assistência, embora traga desafios e limite o impacto da abordagem. Para mitigar essas dificuldades, é fundamental estabelecer uma rede de referência e contrarreferência com outros profissionais da unidade, além de um plano estruturado de educação institucional e crescimento progressivo da equipe. Com o tempo, a integração de novos profissionais fortalecerá o serviço e ampliará sua efetividade.
Referências bibliográficas
Cherny NI, Fallon MT, Kaasa S, Portenoy RK, Currow DC, editors. Oxford Textbook of Palliative Medicine. 6th ed. Oxford: Oxford University Press; 2021. 1–1409.
Ferrell BR, Twaddle ML, Melnick A, Meier DE. National Consensus Project Clinical Practice Guidelines for Quality Palliative Care Guidelines, 4th Edition. Vol. 21, Journal of Palliative Medicine. Mary Ann Liebert Inc.; 2018. p. 1684–9.
Ministério da Saúde. Política Nacional de Cuidados Paliativos (PNCP) [Internet]. Brasília; 07/05/2024. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/portaria-gm/ms-n-3.681-de-7-de-maio-de-2024-561223717
On-Demand Webinars - Improving Team Effectiveness: Team Communication. Center to Advance Palliative Care. Disponível em: https://www.capc.org/
Tourinho F. E-pali: conceitos e fundamentos. [S.l.: s.n.], 2023
Que a transdisciplinaridade seja cada vez mais discutida e colocada em prática, assim como todas as classes de profissionais de saúde sejam vistas como essenciais para o cuidado. Não existe Cuidados Paliativos com "equipe mínima". 🦋